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Pinóquio: O boneco de Carlo Collodi que ganhou o mundo

Como o personagem nos cativou através do tempo

03/02/2023

Era uma vez um pedaço de madeira…

Onde já se viu uma história começar assim? Sem reis e rainhas, sem príncipes e princesas? Muitos podem questionar. Mas é assim mesmo que começam As Aventuras de Pinóquio. Um boneco feito de madeira e de magia, que sabe brincar, falar e mentir como um menino de verdade, que recentemente chegou aos DarkSiders em Pinóquio: Wood Edition, honrando a potência da história original.

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Ela encanta adultos e crianças há quase um século e meio, e continua tão atual quanto na época em que foi criada. A história fala sobre um menino que vive em um mundo que, para ser aceito, tem que lutar diariamente. Isso mesmo! A história trata de temas como: violência e ternura, alegria e tristeza, medo e coragem, perda e busca.

Escrita pelo jornalista e escritor italiano, Carlo Collodi, que em suas obras sempre registrou críticas à sociedade de sua época, a história de Pinóquio não foi diferente. Ela fala sobre pobreza, fome e frio o tempo todo. Faz uma sátira ao tradicionalismo da sociedade italiana e ao comportamento humano, seus vícios e sua insensatez tornando-se um reflexo rico e movimentado da vida e da época do autor.

Um personagem que já nasceu transgressor

Collodi nasceu em Florença e desde muito pequeno mostrou-se um aluno inquieto. “E agora adivinhem quem era o aluno mais preguiçoso, mais agitado e mais impertinente de toda a escola? Se vocês não sabem, vou lhes dizer no ouvido, mas, por favor, não contem para seus pais e suas mães. O aluno mais agitado e impertinente era eu”, confessou em Memórias de Carlo Collodi.

O autor tinha seus motivos para “manter esse segredo”. Os pais não gostavam de As Aventuras de Pinóquio e proibiam seus filhos de lerem. Eles acreditavam que este herói, adorado pelas crianças, os estimulavam a imoralidades e molecagens

Mas, apesar do fraco sucesso editorial de início, devido à proibição dos adultos, a história não desapareceria. Isso graças a uma geração de crianças italianas que mantinha Pinóquio vivo em uma espécie de movimento secreto, lendo às escondidas as desventuras do boneco de madeira.

Pinóquio

Pinóquio é um bebê recém-nascido com 11 ou 12 anos de idade que adora brincar como qualquer outro menino. E é nesse processo de humanização que Gepeto o entalha, dá nome e o ensina a andar. Ele é rígido e severo, preocupado com sua educação representando aqui a figura paterna. A figura materna fica por conta da Menina dos Cabelos Azuis, fazendo o papel da carinhosa amiga, apresentando amor e afeto.

E são eles que vão, no dia a dia, ensinando o boneco a dominar os códigos da sociedade iniciando, assim, o seu processo de socialização para se transformar em um menino de verdade. Mas aqui fica uma pergunta, o que significa “se transformar em um menino de verdade”?

Antes desta conquista, Pinóquio vive prometendo estudar, trabalhar e fazer tudo que a Menina dos Cabelos Azuis diz, pois ele quer virar um menino de verdade. Mas se transformar em gente não é nada fácil. Dói crescer, e como dói! O mundo dói e nos desvia o tempo todo. Era com essa visão trágica da vida que Carlo Collodi começou, gradativamente, a escrever histórias para crianças repletas de fantasia e emoção.

LEIA TAMBÉM: MITOMANIA: CONHEÇA A SÍNDROME DE PINÓQUIO

Os caminhos de Collodi a Pinóquio

Até os 17 anos, Carlo foi seminarista em um colégio religioso, e logo depois trabalhou em uma conceituada livraria, onde a convivência com intelectuais e escritores fez com que despertasse o seu interesse pela literatura e pela política. Formou-se em cultura literária, linguística e musical e, aos 20 anos, iniciou na carreira de jornalista, redigindo resenhas e artigos para o jornal L’Italia Musicale, uma das principais revistas italiana especializadas em música naquela época.

Ele era um jovem cordial, apaixonado por política e com ideais progressistas. Lutou, como voluntário, na guerra pela independência de seu país contra os austríacos em 1848. Com 22 anos, fundou o seu primeiro jornal, chamado Il Lampione [O Lampião], um periódico de grande sucesso com ideias liberais, republicanas e sátira política. Porém, em 1849 foi retirado de circulação pelo governo da época.

Em 1853, Carlo fundou um outro periódico humorístico semelhante, chamado La Scaramuccia [A Escaramuça], para substituir Il Lampione. Foi lá que ampliou suas atividades, passando a escrever peças teatrais, tanto teatro lírico quanto teatro em prosa, e obras literárias de ficção e não ficção.

O pseudônimo Collodi foi criado para se proteger de possíveis ataques devido a um artigo polêmico que ele havia escrito. O nome vem de um vilarejo situado na Toscana, onde sua mãe nasceu e viveu e onde ele passou várias temporadas.

carlo collodi

Em 1881, Collodi escreveu várias histórias no jornal infantil italiano Giornale per i bambini [Jornal para as crianças]. Uma delas é a obra em que o tornou imortal e reconhecido no mundo todo: As Aventuras de Pinóquio.

O autor passava por momentos de dificuldade em sua vida, pois não tinha dinheiro para pagar suas contas. Estava endividado devido a jogos de cartas e era pressionado por seus credores. Por esse motivo, ao entregar sua história para o amigo, editor e jornalista Ferdinando Martini, enviou-lhe junto um bilhete que dizia mais ou menos assim: “Envio-lhe essa tolice. Faça o que quiser com ela; mas se a publicar, pague-me bem se deseja continuar contando comigo”.

Desanimado de escrever, o autor simplesmente escreveu “Fim” no final do décimo quinto capítulo de As Aventuras de Pinóquio e a interrompeu em outubro de 1881, deixando o personagem principal abandonado e enforcado em um galho do “Carvalho Grande”. Diante da pressão dos leitores, que não aceitavam esse fim para o querido menino de madeira, Collodi retomou os capítulos nas colunas do jornal.

O menino de madeira que ganhou o mundo de verdade

Uma parcela do sucesso mundial de Pinóquio vem dos estúdios Walt Disney, que adaptaram a história e criaram um boneco fofinho, de bochechas coradas e olhos azuis, eternizado no seu longa metragem em animação. Porém, a versão de 1940 deturpou o personagem, diluindo a sua nacionalidade e identidade italiana e perdendo toda a parte crítica e de contextualização da sociedade que Collodi quis transmitir quando a escreveu.

Os roteiristas dos estúdios acreditavam que o protagonista não era ingênuo o bastante, não tinha o mesmo carisma da Branca de Neve (primeiro longa de animação da Disney) e não era forte o suficiente para carregar a história. Eles acreditavam que deveriam diminuir os aspectos agressivos, inserindo comédia e princípios morais. Por essa razão, alteraram e adaptaram livremente a história, criando um Pinóquio mais bonzinho, inocente e com cara de desenhos da Disney.

curiosidades sobre Pinóquio
Disney/Divulgação

O Japão, em 1972, criou uma versão para a televisão em forma de seriado chamado Kashinoki Mokku, traduzido pelos japoneses para vender nos Estados Unidos como Mock of the Oak Tree [Mock, o carvalho] e exibido no Brasil, pela rede Record de televisão, nos anos 1980. Além desse, um dos grandes exemplos de filmes baseados em Pinóquio foi o AI — Inteligência Artificial (2001), filme idealizado pelo diretor Stanley Kubrick.

O ator italiano Roberto Benigni também quis interpretar Pinóquio e, em 2002, dirigiu e protagonizou o filme produzido pela Miramax, no qual procurou ser o mais fiel possível ao texto original escrito por Carlo Collodi. E, em 2019, dirigido por Matteo Garronem, Roberto Benigni voltou como Gepeto em uma versão considerada sombria pelos críticos.

Quem trouxe o Pinóquio para o Brasil foi Monteiro Lobato, muito antes da Disney. Em 1929, publicou o livro O Irmão de Pinóquio no período em que morou nos Estados Unidos. Quando voltou para o Brasil em 1931, falido, mas cheio de ideias, quis traduzir para as crianças a obra de Collodi. Em 1933, o escritor fez a tradução revisada e lançou o livro As Aventuras de Pinóquio em português.

E em pleno século XXI Pinóquio mostra que sua história e lições permanecem pertinentes. Em 2022 foram lançadas duas produções que chamaram a atenção do público: a versão live-action do Pinóquio da Disney, com Tom Hanks como Gepeto, e Pinóquio de Guillermo del Toro, a versão com a marca registrada do cineasta, que lidou até com o fascismo de Mussolini. Lançada pela Netflix, a produção de del Toro é uma das favoritas ao Oscar® de animação.

Pinóquio de Guillermo del Toro
Netflix/Divulgação

Podemos perceber que Pinóquio é, e sempre será, um nicho a ser explorado. Por se tratar de um tema tão atemporal, o boneco de madeira ocupa um lugar significativo no mercado editorial e é uma das histórias mais editada no mundo todo. Ele está em livros, filmes, músicas, teatros, brinquedos e jogos. São traduções, adaptações e continuações da história.

Pinóquio pode ter características regionais ou ser um robô que queira virar um menino de verdade. Pode, talvez, sair de vez da condição de boneco, ou ainda, quem sabe, é Gepeto que acabe virando um boneco. Só não se pode, de nenhuma forma, esquecer que foi em 1881, nas províncias italianas, que Carlo Collodi criou o eterno Pinóquio.

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Sobre Luana Lacerda

Avatar photoDedicada a projetos voltados a crianças e adolescentes desde pequena, Luana sempre buscou estudar assuntos relacionados a esse público até mesmo na faculdade de Comunicação Social, quando se apaixonou por Carlo Collodi e seu boneco de madeira. Fez pós em Design Gráfico e quando se tornou mãe da Alice e do Nikolas, encantada com o crescimento e o desenvolvimento dos pequenos, decidiu fazer Licenciatura em Artes Visuais, passando a oferecer oficinas para crianças e adolescentes em projetos sociais. É fundadora do Instituto Gileno Bahia e atualmente trabalha para que, assim como o Pinóquio, meninas e meninos se
transformem em cidadãos de verdade.

2 Comentários

  • Maíra

    3 de fevereiro de 2023 às 19:12

    Amei o texto. Lutar para ser aceito… e para, através da própria aceitação, se tornar o que se é de verdade, apesar da dor, isso é crescer.

  • Tâmara Abreu

    23 de novembro de 2023 às 08:08

    Parabéns à Luana Lacerda pelo excelente texto que recupera toda a trajetória editorial de Pinóquio, assim como apresenta ao leitor as informações mais importantes e interessantes sobre Collodi e sua obra-prima, Pinóquio. Maravilha!

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