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Por que Casa de Folhas é tão difícil de adaptar?

Entenda o desafio de transformar a obra em filme ou série

16/01/2024

O cinema de terror comporta sua boa dose de adaptações de livros que ganharam as telonas. Clássicos como Tubarão, Psicose e O Bebê de Rosemary têm suas origens na literatura e ajudaram a moldar o gênero e até mesmo a indústria cinematográfica.

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Na TV a história se repete, com produções cada vez mais ambiciosas e investimentos cada vez mais polpudos em séries que expandem e reimaginam tramas horripilantes para o público, como A Maldição da Mansão Bly e A Queda da Casa de Usher, que dão nova roupagem a clássicos como A Volta do Parafuso e o conto de Edgar Allan Poe de mesmo nome.

Olhando dessa maneira, é até fácil acreditar na ideia de que qualquer livro pode ser adaptado em um livro ou série — Stephen King que o diga! Mas tem um que já ganhou a chance de ser “infilmável”, por mais que tenha conquistado uma legião de fãs e cujo autor também já manifestou o desejo de expandir para alguma adaptação: Casa de Folhas, de Mark Z. Danielewski.

Sobre o que é Casa de Folhas?

Publicado originalmente em 2000, Casa de Folhas tem a fama de ser “um dos livros mais assustadores já escritos” e deixou uma marca em cada pessoa corajosa o suficiente para lê-lo até o final. Nesses mais de vinte anos, já inspirou outras obras, foi referenciado e até mesmo parodiado na indústria do entretenimento. Mas não é só o terror que torna essa obra única: a maneira estranha com que ele foi construído o torna ainda mais complexo e desafiador.

O centro de tudo na história é uma casa que é maior por dentro do que por fora e um documentário que os proprietários fazem sobre ela. Lá, os donos descobrem uma porta que deveria levar ao lado de fora, mas que na verdade revela um grande corredor. Cada vez que eles exploram esse ambiente, ele se torna maior e mais labiríntico, os caminhos mudam, portas aparecem e desaparecem.

casa de folhas

Em determinado momento o casal contrata um time de pesquisadores, caçadores e exploradores para criar uma expedição nesse espaço impossível — e as coisas dão errado muito rapidamente. Casa de Folhas promove uma atmosfera de pavor existencial, caminhando com força para o terror de não ser capaz de confiar na própria realidade. 

Mas as coisas ficam ainda mais estranhas: a única experiência que os leitores têm do documentário é uma tese de doutorado sobre o filme, escrita por um homem chamado Zampanò. Seu manuscrito forma a maior parte do livro, e suas anotações e edições aparecem rabiscadas nas margens. 

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No melhor estilo de história dentro da história, temos Johnny Truant, um tatuador cujos diários servem como o principal ponto de vista do manuscrito de Zampanò, encontrado por ele após sua morte. É por meio de Truant que os leitores descobrem o mundo de Casa de Folhas. Só que o tal documentário aparentemente não existe: o tatuador não encontra nenhuma prova da existência dele, apesar de todas as referências de seu impacto cultural no manuscrito. Johnny logo se torna obcecado pelo manuscrito, o que contribui para uma jornada gradativa à insanidade.

Por que é tão difícil adaptar Casa de Folhas?

Já deu para perceber que estamos longe de uma narrativa linear ou de uma história simples de entender. O que faz de Casa de Folhas uma obra tão única é justamente o que a torna tão difícil — senão impossível — de adaptar para outro tipo de mídia. Para representar cada um dos vários níveis de “realidade”, o autor emprega uma série de dispositivos, técnicas e truques que ampliam o meio literário além de suas próprias possibilidades

No livro, os leitores se deparam com vários estilos de fontes, cores e até mesmo orientações de texto. Esses recursos são empregados para carregar de significado quem está narrando os eventos a cada momento. Por exemplo, cada emprego da palavra “casa” (em qualquer idioma) é estampado em azul, e quando o Minotauro aparece, está sempre em vermelho.

casa de folhas

Esses não são os únicos truques de Danielewski. As páginas de Casa de Folhas podem conter textos escritos em múltiplas direções, de cabeça para baixo, em caixas que não são lidas em sequência de uma página para a outra. Há textos de trás para frente, páginas preenchidas com as obsessões de Truant escritas à mão.

Todos esses elementos transformam a leitura de Casa de Folhas em um verdadeiro labirinto, tão complexo quanto aquele no qual os personagens se encontram. Com páginas totalmente em branco (ou quase), há até uma teoria de que isso seria um incentivo para que os leitores acrescentem suas próprias impressões e anotações ao livro. Uma maneira bem diferente de quebrar a quarta parede e convidar o público a participar ativamente da história.

Mas então, como fazer uma adaptação de Casa de Folhas?

Sabendo de tudo isso, dá pra ter uma ideia de por que é tão difícil transpor todos esses elementos e a experiência de ser sugado para um labirinto para uma mídia como um filme ou uma série. Mas o próprio Danielewski acredita ser possível, principalmente no caso de uma série. No site do autor, há um roteiro disponível para compra digital, formatado em três episódios para uma série de TV intitulada House of Leaves.

Outro desafio seria conseguir proporcionar uma imersão dessas em uma mídia mais passiva como cinema ou TV. Em um livro, por mais simples que seja, há sempre o elemento da imaginação dos leitores ajudando a compor a história. Em um filme ou série tudo é entregue mais pronto, a imaginação fica limitada ao que o roteiro propositalmente não quis contar. Além disso, estamos em tempos de streaming, quando tudo pode ser pausado e retomado a qualquer momento, e a experiência imersiva se perde um pouco mais.

Mas talvez a própria possibilidade do streaming possa proporcionar a participação do público em uma eventual adaptação de Casa de Folhas. Lembra quando a série Black Mirror fez aquele especial “Bandersnatch” que permitia alguma interação para que o espectador selecionasse o que acontecia a seguir (em uma versão avançada de Você Decide)? Quem sabe um formato que aproveite melhor esse recurso ou consiga até aplicar realidade aumentada coloque as pessoas dentro dessa casa impossível da obra de Danielewski?

black mirror bandersnatch
Netflix/Reprodução

Aliás, não é de hoje que Casa de Folhas se apresenta como uma proposta multimídia. A artista Poe, irmã de Mark Z. Danielewski, lançou um álbum chamado Haunted que, segundo leitores, ouvi-lo enquanto lê a obra proporciona uma experiência multissensorial ainda mais completa. Quem sabe uma série complementar não seja um caminho interessante? Com as devidas bênçãos do autor, é claro.

Mesmo com mais de duas décadas desde o seu lançamento, Casa de Folhas permanece uma obra complexa, enigmática e particularmente difícil de ser reproduzida, seja em outro idioma ou formato. E é isso o que a torna uma experiência tão única para aqueles que têm coragem de se perder em suas páginas. Um labirinto onde nem mesmo a indústria do entretenimento conseguiu se arriscar. Ainda.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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