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The Being: Gore, hipocrisia e resíduos nucleares

Uma pérola sombria e mutante dos anos 1980

27/10/2023

Nos anos de ouro da energia nuclear (talvez anos de urânio seja mais indicado), um dos maiores fantasmas da sociedade era um acidente, um vazamento, uma contaminação com resíduos radioativos.

Mas também havia outro fantasma, esse bem mais perigoso, chamado “interesse público”. Explicando melhor: o negacionismo e a dissimulação das autoridades e do governo frente aos perigos para preservar as veias econômicas de uma cidade ou país. Falaremos um pouco mais sobre esses dois assuntos durante esse filme.

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Logo nos primeiros minutos dessa pérola mutante, graças a uma trilha sonora sombria e angustiante, percebemos que não estaremos exatamente seguros. Dirigido por Jackie Kong, The Being (batizado por aqui de A Noite do Medo) nasceu em 1983, e foi um dos poucos filmes de horror dirigidos por mulheres no início da década. Segundo as palavras da diretora: “gosto de provocar reações nas pessoas, então eu queria fazer um filme de monstros”. Foi o primeiro filme de Jackie (ela tinha apenas 23 anos), e ainda hoje um dos mais celebrados pelos fãs.

jackie kong

Desse um início cheio de tensão, somos lançados a um alvorecer pouco iluminado e azulado, na cidadezinha de Pottsville, Idaho, “A única capital da batata de todo o universo”, o rádio profere. Mas não se engane que esse filme será de fácil digestão. Já nos próximos segundos somos fisgados pelo alerta de tempestade no rádio, e também por um aviso direto, em uma voz grave e locucionada, que afirma que a cidadezinha está passando por eventos estranhos e inexplicáveis. Pessoas estão desaparecidas, entre elas, uma criança. Naturalmente, esperamos alguns incidentes, mas não esperamos o que acontece a seguir (é de perder a cabeça!).

Algo que assina The Being logo nos primeiros momentos é essa espécie de tonalidade noturna, sombria; eu diria soturna. É um filme obscuro mesmo na fotografia. Some essa escuridão à uma visão em primeiro plano da “coisa que mata” e temos uma bela receita de ansiedade enquanto vamos mudando de um morador a outro da pequena Pottsville. Crianças, casais de namorados, civis e autoridades, todos são vítimas em potencial.

the being

Nesse filme temos a presença do lendário Martin Landau, incorporando o Engenheiro de Segurança Química Carson Jones, um especialista em danos ambientais nada confiável, que mente descaradamente, na TV e ao vivo, dizendo que a população está segura quanto a possíveis contaminações por resíduos radiativos. Além de Landau (e por conta de sua amizade pessoal dele com os atores), temos dois vencedores de Oscars na produção, Jose Ferrer e Dorothy Malone.

the being

Também especial nesse filme são os enquadramentos e movimentos de câmera de uma cena a outra. A visão muitas vezes indireta é uma escolha muito competente, e empresta uma qualidade que esse filme não teria que de outra forma. Algumas vezes olhamos pelo monstro, em outras com os olhos da câmera, e em alguns momentos podemos estar habitando qualquer pessoa em cena — isso descansa o olhar em primeira pessoa que geralmente se torna muito cansativo. 

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Um dos principais protagonistas, o oficial de polícia Mortimer (Bill Osco) não fala muito no começo do filme, e algumas vezes seus pensamentos são utilizados em vez da boca, algo também incomum e que funciona muito bem em The Being. Outro ponto positivo é o senso de humor peculiar da diretora, que tempera o filme e o deixa muito mais palatável ao público. A mulher do prefeito, por exemplo, está mais preocupada com as festividades da páscoa e com o desfile para a “extinção da obscenidade” do que com os desaparecimentos que vêm acontecendo em sua cidade. Ao que parece, a imoralidade e a preocupação com as ações de Satanás são mais importantes até mesmo que o evidente acidente ambiental em Pottsville. Aliás, a patrulha dos bons costumes adora uma pornografia e uns goles de birita. Oh, sim, enfim a hipocrisia. E ela transita por todo o filme.

the being

O plot (twist) principal do filme é um elemento surpresa esquisitão, então não vou estragar essa parte, mas eu acredito que depois de certo estranhamento vocês irão gostar bastante.

A trama segue com a polícia no encalço dessa criatura assassina, com os oficiais precisando enfrentar as autoridades municipais para conseguirem algum sucesso. O problema maior é que o prefeito não pode permitir que a venda das batatas de sua amada cidadezinha sofra com a suspeita de alguma contaminação, ou que alguns desaparecimentos misteriosos causem má fama à sua gestão, então é sempre mais fácil jogar um pano em cima dos “exageros”.

the being

The Being é um desses filmes que ganharam força e reverberação ao longo do tempo, notadamente pelo trabalho de direção surpreendente para uma estreante Jackie Kong, capaz de imaginar uma criatura mutante assassina e deixá-la menos assustadora que a hipocrisia das pessoas de de Pottsville.

the being

O design da criatura mutante não é perfeito, mas funciona muito bem até hoje — inclusive a composição desse personagem foi um dos pontos-chave para a diretora começar a rodar o filme. As cenas gore também são bem executadas, e na medida do que era possível na época, apresentam um bom resultado. Os atores, principalmente os mais veteranos, fazem a diferença nos momentos decisivos, e sem mais delongas, para não corrermos o risco de entregar mais do que podemos, recomendamos que você aperte o play e se contamine com essa ótima surpresa das prateleiras mais profundas da Firestar.

E claro que desenterramos um trailer!

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Sobre Cesar Bravo

amplificador cesar bravoCesar Bravo é escritor, criador de conteúdo e editor. Pela DarkSide® Books, publicou Ultra Carnem, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, DVD: Devoção Verdadeira a D., 1618 e Amplificador.

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