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Caveira Viu: Nanny

Thriller fantástico expõe o terror do sonho americano

20/12/2022

Há milênios, criaturas fantásticas povoam o imaginário de diversas culturas, em todo o mundo. Mas há alguns mitos contemporâneos que enganam tão bem que muitas pessoas até acreditam se tratar de algo real. Em Nanny, os mitos da África Ocidental dividem espaço com o do sonho americano.

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O longa de estreia da cineasta Nikyatu Jusu recebeu o grande prêmio do júri no Festival de Sundance e agora entrou para o catálogo da Amazon Prime Video. O enredo acompanha a vida de Aisha (Anna Diop), uma imigrante senegalesa que começa a trabalhar como babá da filha de uma família branca em Manhattan, focada no objetivo de em breve trazer seu próprio filho, Lamine, para os Estados Unidos.

Conforme os dias passam no novo trabalho, que sua senhoria recomendou “não perder por nada”, Aisha começa a ser assombrada pelo mundo onde vive e pelo mundo que deixou para trás. Rose (Rose Decker), a menina de quem ela cuida, apesar das tendências rebeldes, mantém uma boa relação com Aisha — que acumula funções de babá e professora de francês. O que só aumenta a angústia da imigrante em não poder ter esses cuidados com o próprio filho.

O casal que a contratou tenta se mostrar simpático e inclusivo (dentro de suas próprias definições para essa palavra). A mãe de Rose, Amy (Michelle Monaghan), é a típica mulher focada na carreira, que aspira a uma posição de liderança dentro de um mundo dominado por homens. Em casa, ela oscila entre querer deixar Aisha à vontade, ao mesmo tempo em que lhe entrega páginas de detalhadas orientações. O pai, Adam (Morgan Spector), raramente está em casa e mal se envolve nas tarefas domésticas, mas de alguma maneira ainda quer se posicionar como o “legal” da relação.

Na teoria, esse seria o emprego “dos sonhos” de qualquer imigrante ilegal, mas não estaríamos falando de um thriller se isso fosse verdade. O aparente respeito de Amy por Aisha logo dá vez a uma relação de subserviência, exigindo imprevisíveis horas extras e, é claro, falhando em pagar o tempo a mais. Por mais que ela esteja tentando montar sua vida nesse novo local, o sonho começa a dar vez a um pesadelo, alimentado pelos medos e pela ansiedade de Aisha.

nanny
Amazon/Reprodução

O terror da maternidade e da imigração

Nanny oferece um ponto de vista ainda pouco utilizado no cinema, que é o do trabalhador doméstico e imigrante contando sua própria história. Diferentemente dos filmes de Jordan Peele, o longa acrescenta os fatores “imigração” e “maternidade” para contar a jornada de uma personagem assombrada pela própria realidade.

A abordagem honesta e multifacetada de Aisha foi possível graças à história familiar de Nikyatu Jusu, que também assina o roteiro. A mãe dela, natural de Serra Leoa, passou por uma situação muito parecida quando migrou para os Estados Unidos. Por isso, o que se vê é uma protagonista que foge dos próprios estereótipos de sonho americano: embora ela busque uma vida melhor, Aisha está longe de ser ingênua ou deslumbrada com o american way of life. Ela é uma personagem forte, inteligente, que tem plena consciência de sua situação e que precisa ter muito jogo de cintura para exigir o que lhe é devido, sem correr o risco de aborrecer seus contratantes — o que poderia ter consequências irreversíveis em sua jornada.

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Porém, ao mesmo tempo em que começa a criar algum tipo de raiz no novo país, seu coração ainda está no Senegal em uma angustiante relação com o filho, mantida por breves chamadas de vídeo. Em um suspense construído aos poucos, a fantasia toma conta em episódios de pesadelos e alucinações que misturam a ansiedade de Aisha a lendas do folclore da África Ocidental.

Os dois seres mitológicos que marcam presença são o deus-aranha Anansi e o espírito aquático Mami Wata, ambos com uma natureza caótica e que se recusa a seguir a ordem, conforme Kathleen (Leslie Uggams) explica a Aisha. “Os espíritos nos dão resiliência, mas as ferramentas dos espíritos nem sempre são boas”, define a personagem.

Confusa sobre que mensagens esses espíritos estariam tentando lhes passar, Aisha se vê em sonhos e alucinações que na maioria das vezes envolvem o elemento água. Mami Wata é até bem direto, tentando puxá-la para as profundezas.

nanny
Amazon/Divulgação

Dá para dizer que Nanny é um filme de terror?

Se você assistiu a esse filme na esperança de muito gore ou jump scares, sinto lhe informar que essa não é a vibe de Nanny. Com uma proposta de thriller sobrenatural, o longa num primeiro momento pode até parecer um drama, pois o terror está justamente dentro da cabeça de Aisha, alimentado por sua sufocante realidade.

A própria cineasta afirma que o filme transcende gêneros, e que é difícil classificá-lo em apenas uma caixinha. Mas se você entendeu que produções como Corra! e até mesmo Mãe! carregam um terror social dentro de si, o mesmo pode ser dito de Nanny. Com uma pós-produção caprichada e uma trilha enervante, o suspense em torno de Aisha e todos os medos que ela carrega são motivo, sim, de pavor para algumas pessoas — principalmente para quem já compartilhou de alguma de suas aflições.

O que talvez deixe uma sensação de vazio ao assistir ao longa nem é a ausência daquele terror mais explícito, mas polir um pouco melhor algumas das ótimas ideias jogadas na trama. Há muitas pontas soltas, muitos assuntos que foram começados que o público gostaria de ver algum tipo de continuidade ou aplicação mais útil na narrativa. Sem isso, são apenas boas ideias avulsas e subaproveitadas, como a do mofo no teto e até mesmo a relação de Aisha com Malik (Sinqua Walls), que parece apenas ser uma facilitação narrativa para que ela encontre Kathleen em algum momento.

Mesmo longe de ser o terror que muitos espectadores esperam da divulgação feita sobre o filme, Nanny reúne ótimas ideias em uma história majoritariamente ignorada pela indústria, das angústias urbanas de mães imigrantes assombradas por tudo aquilo que deixaram para trás, e por tudo aquilo que ainda podem perder. Nikyatu Jusu compartilha com a audiência um terror que pode até parecer sutil para alguns, mas que grita para todos que já passaram por ele

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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