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Mark Z. Danielewski: “Cada livro é um universo de inspirações”

Confira a entrevista exclusiva do autor de Casa de Folhas

13/03/2024

É de se esperar que um autor que escreve uma obra vasta e que levou mais de uma década como Casa de Folhas tenha muito a dizer. Mais do que isso, Mark Z. Danielewski é uma pessoa que não apenas gosta de falar, mas gosta de ouvir. 

Como um bom romancista que sabe buscar inspiração em tudo o que está ao seu redor, ele demonstra um interesse genuíno por alguém que acabou de conhecer, e com quem você poderia facilmente passar uma tarde trocando ideias sem ver o tempo passar.

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Foi assim que se desenrolou a conversa com o autor de Casa de Folhas para o DarkBlog. Com a humildade de quem se considera um mero instrumento do universo através de seus livros, Danielewski voltou algumas décadas para nos contar sobre os primeiros passos de seu livro, a repercussão e as teorias em torno da obra e até sobre a sua relação com o Brasil — no fim dos anos 1980 ele visitou o país, conhecendo Rio de Janeiro e Saquarema, e não esconde sua vontade de voltar para cá e conhecer outras regiões.

Uma conversa ampla e com diversas camadas, do jeito que Casa de Folhas merece. Confira:

DarkBlog: Quando você começou a escrever Casa de Folhas no final dos anos 1980, já imaginava o impacto que a sua obra causaria no terror moderno?

Mark Z. Danielewski: O que um jovem sonha quando se tem 22 anos, praticamente sem dinheiro, e não faz ideia de seu lugar no mundo, ou mesmo se tem algum lugar no mundo? Com essas criações iniciais, que são tão difíceis no começo de carreira de qualquer jovem, você não consegue ir além do desespero óbvio de que você nunca vai terminar aquilo. Quando está finalizado, de que ninguém irá ler. E se alguém ler, que aquilo nunca será publicado. Para pensar, “bem, talvez seja um sucesso”.

Mas como podemos categorizar esse sucesso em termos de impacto no terror, impacto na literatura? Há algo que acontece com um livro quando você está no meio de sua criação, especialmente em um tão intrincado como Casa de Folhas, que levou tanto tempo, em que você começa a orbitá-lo. No começo, é o livro que meio que vive na sua órbita. Você é a massa central. E essa massa inclui tudo o que é frenético ou calmo na sua vida, seja lavando roupa ou saindo para pegar um café. Mas aos poucos, conforme você começa a construir e a criar e a imaginá-la, a história se torna uma massa maior. Essa massa cresce, daí de repente é você que está na sua órbita. E quanto mais você está nessa órbita, mais você é governado pelas necessidades e exigências dela.

Entendo quando um livro quase ganha vida própria. E esse sentimento é aterrorizante e ao mesmo tempo ótimo.

Então você realmente não pensa muito além disso. Você não pensa no que vai acontecer a ela, porque para você aquilo se tornou um planeta agora. Um sol ou um buraco negro. Você é apenas uma pequena partícula que está se tornando cada vez menor, conforme a história se torna cada vez maior. Sem querer falar muito de mim, mas estou escrevendo um faroeste no qual estou trabalhando há uns cinco ou seis anos, e estou exatamente nessa situação. E apesar disso há questionamentos sobre como ele será recebido. Onde ele irá se encaixar na cultura bélica de hoje? Mas são apenas alguns lampejos, porque o principal é que a sua imensidão e complexidade estão constantemente me atraindo a ele. 

casa de folhas

Essa é uma maneira de responder e ao mesmo tempo não responder à pergunta, mas é ao menos uma introdução de como funcionou esse processo e como eu o vejo muitos, muitos anos depois. Até mesmo agora, conforme trabalho no novo romance, eu entendo quando um livro quase ganha vida própria. E esse sentimento é aterrorizante e ao mesmo tempo ótimo. 

D: Quase como se você estivesse sendo levado pela sua história do que o contrário…

MZD: Exato. E acredito que isso se aplique a qualquer criador, de qualquer meio. É quando você começa a entender que a sua peça ganhou uma massa maior, uma gravidade maior, do que você próprio. É ali que você sabe que está começando a alcançar o final. Há todo tipo de metáforas para isso, seja falando sobre estrelas ou se estamos falando de um nascimento. É aquela sensação de “oh, temos uma conclusão aqui”. Existe uma imensidão, um componente que muda a sua vida com isso. 

D: Uma das características mais famosas do livro é a diagramação experimental de alguns capítulos. Houve alguma proposta de experimentação visual que acabou não entrando no livro?

MZD: A versão final representa uma bela evolução, então não há nada ao qual eu estivesse apegado que não esteja ali. Acredito que, conforme você envelhece, e se você tiver sorte como eu de ter uma carreira de sucesso — a não ser que você tenha sido engolido pelo seu ego em vez dos seus livros —, você se dá conta da sorte que tem. De ter conhecido as pessoas certas ao longo do caminho, de estar com o editor que eu tive naquela época — e ainda tenho quase 30 anos depois. Alguém que em vez de dizer “não, não faça”, diga “bom, como vai ser o visual disso? Como vamos ver isso?”. E parte da mitologia do livro é que ele foi apresentado com essas várias explorações tipográficas que hoje todos conhecem muito bem. 

Mas na minha ingenuidade, eu achava que a editora iria auxiliar nesse processo, que havia uma sala dedicada a esse tipo de trabalho com diagramação para cada escritor que aparecesse. Logo ficou claro que eu seria o responsável por aquilo. O meu editor e agente basicamente disse “se você conseguir vir para Nova York, te daremos acesso a todos os nossos computadores e tudo o que você precisar na Pantheon”. E foi isso que eu fiz. Eu chegava lá todas as manhãs às 6h, comprava o melhor café que eu podia encontrar para que, quando todos chegassem (eles tinham disso), tivéssemos os aromas desse café gourmet, que na época era algo novo. Um café gourmet que eu não tinha como bancar, mas era importante para mim, ter algum café, e mais uns dois para os outros, para entender que aquilo ali não era um processo criativo. Usei bastante a palavra “criativo”, mas não era sobre destruir as coisas — apesar da casa destruir as coisas de diferentes maneiras —, mas era a evolução que havia no processo. 

Por mais impactante e original que o livro se pareça, ele vem de uma tradição de antigos poetas.

Assim, comecei a diagramação, o meu editor acompanhava e eu comecei a falar com preparadores e publicitários, e as pessoas que imprimiam os livros, e todo mundo ficava cada vez mais curioso. Aos poucos, comecei a finalizar capítulos como o 9, aquele labirinto com todas as suas convoluções e padrões. Eu vi que as pessoas ficavam fascinadas com aquilo, e, conforme aquilo acontecia, as pessoas ficavam mais empolgadas. 

Sou bem cauteloso ao dizer que, por mais impactante e original que o livro se pareça, ele vem de uma tradição de antigos poetas, que trabalharam com poesia concreta, seja Pauliner, Mallarmé, havia muitas pessoas que já exploraram isso. Podemos ir longe na antiguidade, quando já se podia ver certas maneiras com as quais as palavras eram apresentadas. 

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Acredito que a novidade ali era o uso da retórica dos filmes, que aprendi com o meu pai, de basicamente entender como os filmes são editados. Não é apenas pegar uma imagem e daí colocar outra imagem. É a maneira como os ângulos são divididos, sejam eles de cima ou de baixo, a posição do foco na tela, o movimento, a maneira como você consegue desacelerar a resposta do público a uma cena adotando cortes particularmente longos, daí acelerando a experiência através de cortes rápidos e movendo o ponto focal pela cena. 

De alguma maneira há uma história, embora sombria, do cinema que está contida nas rubricas daquela casa.

Tudo isso foi incorporado em Casa de Folhas adequadamente, porque é sobre um filme. Isso, nesse sentido, começa a intensificar a experiência. Havia muitos primeiros leitores, bem antes do estágio de publicação do livro, mas até mesmo nessa época, e, mais uma vez, quanta sorte eu tive por contar com alguns dos melhores leitores. São leitores profissionais, e só por ter conseguido um momento deles para ver algumas páginas, e ver como aquele trabalho me ajudou a ver o que estava funcionando e o que talvez não funcionasse, e como conseguir refinar isso.

D: Você mencionou o seu pai, que era cineasta. Qual a influência dele, e de filmes e obras de audiovisual em geral, na construção da narrativa e do formato de Casa de Folhas?

MZD: Ah, enorme. Até hoje recebemos menções de acadêmicos de cinema, que identificam todas as várias referências de filmes que estão ali, desde Nouvelle Vague, até as origens do cinema, e todos aqueles pequenos gestos e momentos que os leitores percebem. Isso é bem fascinante, porque de alguma maneira há uma história, embora sombria, do cinema que está contida nas rubricas daquela casa.

D: Na internet há inúmeros grupos de leitura e fóruns de discussão dedicados a destrinchar as referências do livro, e a desvendar seus enigmas. Existem segredos no livro que são impossíveis de serem desvendados?

MZD: Houve muita leitura intensa e certamente várias descobertas. Mas há ainda pequenos momentos, como quando uma pessoa entrou em contato sobre determinado filme, que ninguém, até onde eu sei, mencionou ainda. E ela conseguiu determinar que havia de fato uma referência ali e sua própria variedade de mistérios. São as influências, sejam elas literárias ou cinematográficas, mas há ainda outras maneiras como a casa funciona.

Mas sim, é um livro extremamente denso e ainda há camadas que não foram completamente decifradas até o momento. Mas ainda me rende alguns sorrisos, por exemplo, na escola da minha filha, uma mãe de aluno chegou em mim e disse: “Finalmente comecei a ler o seu livro. É realmente bom”. Ela parecia aliviada e me deu a impressão de que ela tinha toda uma ideia de que seria muito difícil, de que, com base no que as pessoas discutem, meio que tornaria impossível a leitura para um leitor que só quer mergulhar na história. Ela descobriu que era exatamente o oposto, que existe um prazer genuíno e um verdadeiro terror ali, e isso a deixou surpresa.

É um livro extremamente denso e ainda há camadas que não foram completamente decifradas até o momento.

Uma coisa é ter todos esses grupos intensos, onde as pessoas leram o livro várias vezes. Elas não estão num nível diferente. São leitores avançados, claro, mas ainda existe aquela experiência maravilhosa de poder ler o livro pela primeira vez e descobrir como ele realmente é.

casa de folhas

Recentemente tive essa experiência: apenas duas pessoas leram completamente o novo livro, e aqui tem uma observação porque a minha esposa ainda não terminou, mas ela está quase no fim, e fica me dizendo pra sair do cômodo porque quer terminar, e me dei conta de que invejo essa experiência. Invejo a sensação de poder passar pela primeira vez por tudo o que está prestes a acontecer. Quando me lembro, consigo pensar em algumas pessoas que leram Casa de Folhas pela primeira vez e de como isso foi especial. 

Existe um prazer genuíno e um verdadeiro terror ali.

Cada autor é atormentado com as ansiedades de “será que eles vão gostar ou não vão gostar”. Mas se você consegue superar isso, e é algo difícil para dizer a alguém que está começando nesse caminho, porque você está muito vulnerável. Você ainda não adquiriu qualquer tipo de habilidade, cicatrizes ou calos que vão te manter à frente disso. Se você conseguir focar apenas na história, o desdobramento que eu tive a oportunidade de observar em alguns dos primeiros leitores entrando na casa pela primeira vez é bem incrível. É uma ótima sensação.

D: Existe uma teoria de que alguns espaços em branco na diagramação do livro seriam um convite para que os leitores façam suas próprias anotações e notas de rodapé. Havia essa intenção? Você gosta da ideia de ver Casa de Folhas rabiscado de diversas maneiras?

MZD: Adoro! Adoro qualquer livro com rabiscos. Até quando eu compro algum livro de segunda mão, fico fascinado quando ele está com as margens rabiscadas. É como se eu tivesse recebido o presente de duas mentes. O que essa pessoa descobriu? Sou infinitamente fascinado por isso. 

Ainda existe aquela experiência maravilhosa de poder ler o livro pela primeira vez e descobrir como ele realmente é.

Sim, houve uma intenção ali, há várias intenções ali, então eu raramente fico surpreso. Digo “raramente”, mas honestamente acho que eu nunca fiquei surpreso. O livro foi tão planejado. Não digo que não fico surpreso pelas associações que as pessoas fazem, que são bem pessoais, mas do livro enquanto um artefato. Até mesmo a maneira como as margens foram criadas, os espaços, tudo o que você mencionou, de que os espaços estão ali para as pessoas acrescentarem suas próprias anotações, suas próprias percepções, de se tornarem outras editoras daquele processo, até mesmo outras narradoras.

Existem até algumas discussões recentes sobre tornar Casa de Folhas um audiobook ou não, por exemplo. Como seria essa experiência? Seria completamente diferente? Devemos olhar para isso mais como um filme que está sendo feito e é algo completamente separado, e meio que também é um experimento? Ou existe uma maneira de criar alguma espécie de espaço na qual o ouvinte possa participar? Essas são algumas questões que surgem.

Adoro qualquer livro com rabiscos. É como se eu tivesse recebido o presente de duas mentes.

O mesmo com um e-book. De alguma maneira, você é uma companhia de Casa de Folhas quando tem o livro, e o e-book não permite isso. Mas quando você tem a versão digital, você está diante de uma tela de vidro, de certa forma. Você é privado daquela interatividade inquestionável que a página proporciona. Sim, você consegue escrever em um e-book, em alguns pode até criar anotações, mas é meio complicado. É menos pessoal. É também um tanto arriscado. Sim, essa tecnologia melhorou, mas lembro de ter criado anotações em uma versão digital e perdi todas elas, e aquilo não foi legal. Tenho anotações nos meus livros, nas minhas estantes, que têm 40 anos.

casa de folhas

Essa é uma questão bem importante, e uma que tem me feito pensar bastante, literalmente nos últimos dois dias: como nos sentimos em relação a um audiobook e a um e-book? Dito isso, eu retorno a pergunta a você e a todos os leitores dessa obra: o que vocês pensam? Gostariam de ouvir uma versão de audiobook? Isso ofereceria algo novo ou talvez diminuiria a experiência?

D: É uma pergunta válida mesmo. Falando em adaptações, muito já se debateu sobre uma possível versão de Casa de Folhas para um filme ou série. Inclusive, no seu site há um roteiro televisivo para a obra. Sabemos do desafio que é adaptar uma obra complexa como essa. Como você vislumbra uma adaptação audiovisual do livro? Há algo em andamento ou que você gostaria de ver nesse sentido?

MZD: Não, não sou apegado a alguma visão do que eu gostaria de ver produzido e lançado. Sou um romancista e ainda vai chegar o dia em que, quando a constelação certa de pessoas se alinhar, será feita uma representação do livro com significado. Mas é uma dança, e infelizmente não temos todo o tempo celestial para fazer essa dança, mas existem, sim, muitos profissionais brilhantes e criativos em Los Angeles e no mundo inteiro, mas aqui especificamente, aquelas envolvidas em fazer as coisas acontecerem.

Você é uma companhia de Casa de Folhas quando tem o livro, e o e-book não permite isso.

Muitas vezes simplesmente não funciona. Mas a questão é: poderia ser feito? Nesse ponto ainda estou na dança. Não há nada para anunciar, mas há sempre entusiasmo. Sempre temos pedidos chegando. As pessoas querem reuniões. Se eu respondesse a todos eles, e participasse de todas essas reuniões, eu nunca mais seria capaz de escrever outro livro. E é isso o que eu amo fazer. Então isso atrasa um pouco o processo. Mas ainda assim, há pessoas perguntando “e a Hulu? Você poderia fazer algo no FX”. Talvez. Quem sabe?

D: Sim, a A24, talvez?

MZD: Sim, A24, talvez. Falando em A24, acho que alguém me mandou, ou está rolando por aí, talvez no TikTok, uma espécie de falso anúncio de que a A24 finalmente tinha feito o filme. E foi criado com imagens genéricas. Não sei se foi usado qualquer tipo de IA, mas era meio que um trailer e todo mundo estava dizendo “meu Deus, está acontecendo”, só porque colocaram a logo da A24. Foi divertido e eu gosto de ver esse tipo de coisa. Há um certo tom de brincadeira nisso e sempre recebo isso muito bem. 

D: Mesmo que não exista nenhuma adaptação, sabemos que há muitos filmes e videogames que se inspiram no livro. Você considera algum deles particularmente bom ou fiel à sua obra?

MZD: Não acompanho essas coisas de perto. Digo, essas obras não são Casa de Folhas, elas não respondem às ideias e à energia que são parte do livro. E quem sou eu pra dizer se algo é melhor ou pior? Há coisas que são inspiradas e que são divertidas. Existe um mapa magnífico de um modo de Doom que foi feito no YouTube. Foi extremamente bem feito e você pode ver nos comentários como as pessoas vivenciaram isso. Dá para perceber que é um trabalho sincero, da pessoa ou das pessoas que fizeram isso. Se você olhar agora, verá que já tem 10 milhões de visualizações. É bem como o termo que eu estou utilizando, é algo com significado. Não era apenas uma tentativa errante de meio que sentir se a casa a casa era maior por dentro do que por fora só olhando para ela. É algo que olha para todas as complexidades de como entendemos o espaço. 

Um exemplo bem simples é como quando você está em um relacionamento e se sente muito próximo àquela pessoa. E de repente há uma ruptura na maneira com que você se comunica, ou a maneira como vocês se apresentam um ao outro. E aquela pessoa parece estar a quilômetros de distância, por mais que vocês estejam sentados um ao lado do outro. É ali que a complexidade aparece. É ali que a jornada emocional começa em Casa de Folhas. Acredito que seja por isso que os leitores voltam ao livro. 

Então, quando vejo um projeto como esse, que foi executado com tanto sentimento e integridade, não é apenas empolgante porque tem a ver com Casa de Folhas. É empolgante porque é uma conversa contínua, porque isso mostra que há grandes corações criativos por aí. E isso lança uma luz mais brilhante no futuro.

D: Casa de Folhas é uma obra que surpreende muitas pessoas desde o primeiro contato. Teve algum evento ou acontecimento pessoal que lhe causou um grande impacto? Que marcou a sua vida enquanto contador de histórias? Qual?

MZD: Acho que você até sabe a resposta para essa pergunta. A parte interessante desse tipo de questionamento é que existe algum tipo de segurança na ideia de que exista aquele momento único que oferece a inspiração para um livrão como esse. Acho que todos nós sentimos um grande conforto com essa ideia. Mas, de diferentes maneiras, consigo apontar o momento em que entendi que a casa era maior por dentro do que por fora. 

Lembro de ter acontecido pouco depois que o meu pai morreu e eu entendi que havia uma nota de rodapé, que se tornaria um poema ou um conto. Só me dei conta mais tarde de que aquela era na verdade a resposta estruturada para tudo o que eu estava escrevendo nos anos anteriores. Ali fui capaz de meio que dar forma a uma voz que é tão semelhante à de Johnny Truant como à de Zampanò, era algo ressonante com toda essa ideia que eu estava explorando. Dissertações que eu escrevia para mim mesmo sobre como a linguagem dos filmes pode ser usada no texto.

Existe algum tipo de segurança na ideia de que exista aquele momento único que oferece a inspiração para um livrão como esse.

Mas cada livro é preenchido com um universo de inspirações. Frequentemente sou questionado de onde tiro a minha inspiração. Para artistas, a inspiração está em todas as partes. O grande problema é que, conforme você abre o obturador a esse mundo extraordinário, onde somos capazes de habitar, pode ser opressivo. É coisa demais. Então, de várias maneiras, estamos nos escondendo o tempo todo. Posso escrever sobre uma árvore, sobre esse pequeno momento fora de mim mesmo. Ou uma conversa interessante que vi no ônibus entre duas pessoas. Está por toda parte. 

Se tem algo incrível sobre ser um romancista é que constantemente há momentos que você pode aproveitar e remodelar no seu livro. Um dos conselhos que eu dou a novos artistas é o de não se bloquear muito em nome da sua pequena ideia. Você teve apenas uma pequena sacada diante dessa vasta e celestial maravilha onde existimos. Então é mais “torne-se o meio pelo qual o universo consegue falar, para que ele fale através de você”. Escritores têm o direito de rearranjar as coisas. A voz proferida em um ônibus por um homem poderoso pode se manifestar através de um personagem que é exatamente o oposto. 

“Torne-se o meio pelo qual o universo consegue falar, para que ele fale através de você.”

Acredito que essa seja uma resposta mais válida, de que quando a jornada começa, vão existir constantes inspirações, vindas de pequenos momentos. Eu estou em dívida com todos eles, não me considero autor de nenhum deles. Só me considero sortudo por ter esses momentos e por eles terem me dado a energia que eu precisava para escrever frases que se tornaram significativas para outras pessoas.

D: Essa é a primeira vez que os leitores brasileiros terão a possibilidade de ler Casa de Folhas em português. Qual recado/aviso você gostaria de compartilhar com eles?

MZD: Em primeiro lugar, quero pedir desculpas por ter levado quase 25 anos para que o livro tivesse uma versão em Português e que chegasse ao Brasil. Tenho um carinho muito grande pelo Brasil. Quem sou eu para alertar alguém? Posso apenas compartilhar uma história para que as pessoas que lerem o livro inteiro possam ter suas próprias jornadas pessoais. As pessoas que só chegam à metade são as que mais me preocupam, porque elas ainda estão na escuridão. Elas ainda estão presas na casa. De vez em quando me preocupo com essas pessoas que ainda estão presas na escuridão e não conseguem sair.

Tenho um carinho muito grande pelo Brasil.

Lembro-me de um belo e humilde momento, quando eu estava em uma galeria de arte, e um senhor chegou para mim e perguntou se eu era Mark Danielewski e se eu tinha escrito Casa de Folhas. Confirmei, e ele me falou que não havia lido o livro, mas que queria me agradecer porque a filha dele tinha tentado tirar a própria vida e, quando ele estava ao seu lado quando ela acordou, o homem perguntou se poderia fazer algo por ela. E a filha respondeu “você pode conseguir Casa de Folhas para mim?”. E essa é uma das coisas que ouço das pessoas que fazem com que eu me sinta cada vez mais um mero instrumento desse livro. Pois para elas permitiu uma jornada em momentos particularmente difíceis. Acredito que isso deveria estar disponível para qualquer leitor, independentemente do idioma que você fale.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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